quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Sinais

Dizem que quando passamos por uma situação quase fatal mudamos nossa vida.

No dia 5 de janeiro de 2005 eu capotei na estrada. Para mim foi um acidente cinematográfico, perdi o controle do carro, fui de um lado ao outro dos acostamentos, dei um giro de 360º em frente a uma jamanta branca e depois caí em um brejo, com as rodas para cima. O teto estava na altura do encosto do banco. O único e pequeno arranhão que tive foi feito do lado de fora do carro, quando tentei me apoiar em um espinheiro, única coisa que tinha por perto e que era mais alta do que eu. Passei três dias na cama, chorando, rezando e tomando suco de limão. Chorava por que não entendia como estava viva, rezava para agradecer por estar viva e o limão nunca entendi por quê. Minha irmã, que é toda holística, me disse na ocasião que eu deveria parar para ouvi meu corpo, que ele estava pedindo para eu parar de fazer “aquilo”. O problema é que não entendi o que era para parar e fiquei pelo menos um ano tentando achar o “aquilo”, é claro que não tive sucesso.

Em maio de 2008 soube que estava com câncer e adivinha? Meu maior medo era não entender o tal sinal que a vida estava me mandando novamente. Mais uma vez veio aquela conversa de “olha o que está fazendo contigo”, “teu corpo está de avisando”. E eu na minha analfabetisse mental tentei entender o que é que eu deveria entender da vida. Mais uma vez fiquei chupando o dedo, mas desta vez não por tanto tempo, pois as coisas foram mudando, aos poucos, mas foram.

Ainda me cobro se estou aproveitando a oportunidade para mudar, é que esqueço que muitas coisas já incorporei e por já fazerem parte da minha nova vida, parece que não estou fazendo nada. Mas isso a terapia me ajuda a confirmar que sim, eu faço coisas diferentes, estou diferente. Não poderia não estar. Ninguém fica igual depois de ter câncer.

No início foi mais empolgante, não a doença, essa foi apavorante, mas empolgante foi perceber as pequenas mudanças, isso era muito bom e prazeroso, é como um brinquedo novo, depois que ele já está há tempo da prateleira já faz parte da decoração do quarto, sabemos que está lá, precisamos dele, gostamos dele, mas não ficamos todos os dias dizendo “olha meu brinquedo novo”. Só não posso me esquecer que ele está lá na prateleira, por que a prateleira sou eu e o brinquedo é o que eu faço com a minha vida.

Tive câncer na região cervical, fizeram um enorme corte na minha garganta e é claro que algumas pessoas me perguntaram “você sabe por que teve câncer logo aí, né? Por que nunca colocou para fora, engoliu por anos”. Pode fazer sentido, até por que o corpo somatiza e eu sou muito, muito boa em somatizar. Não é fácil colocar pra fora certas coisas, na verdade não é fácil colocar para fora apenas aquelas coisas que doem muito, aquelas que machucaram muito e que infelizmente ainda me causam raiva. Ops, tá vendo? Ainda tenho que aprender isso, senão... acabo somatizando outra coisa em outro lugar.

Já senti de tudo por causa do câncer: pânico, medo, pavor, raiva, medo, pena, medo, desespero, medo e o mais incrível, satisfação. Não, eu não enlouqueci, teve alguns momentos em que tive satisfação, isso foi no segundo ano, quando já estava melhor e estavam acontecendo aquelas mudanças que mencionei lá em cima. Disse diversas vezes que ter câncer foi uma forma de acelerar minha evolução. Mas ainda não superei as seqüelas, a boca que ficou torta e que nunca mais terei meu sorriso de volta, a voz que ficou prejudicada, que não sou mais soprano, pois perdi os agudos, ainda choro quando ouço alguma música que eu cantava e hoje não consigo mais cantar. O que menos incomoda é o ombro, que ficou limitado nos movimentos. Sei que tenho que aprender coisas novas, novos repertórios e novas formas de sorrir, pois essa sou eu daqui para frente, mas isso é um exercício diário e lento, que preciso fazer diariamente.

Minha terapeuta disse que eu posso ter raiva de vez em quando o que não dá é para ter raiva sempre. Então este é o meu termômetro para saber como estou lidando com as coisas.

Kátia Ekizian

2 comentários:

  1. Querida Katia, se tu não comentasses, eu jamais iria notar algo no teu sorriso! Ele é lindo! E transmite tanta energia! Realmente, acho que nunca saberemos pq fomos as eleitas a passar por isto....será que somos especiais? hehehe....melhor pensar assim....Super beijo pra ti, pra Carla e aos meus novos amigos do Comvida, Andrea

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  2. Lindo teu depoimento aqui katia.... emocionante..
    Nao desanime nunca..e lembre-se, apesar de termos tido cancer, de termos mudado, de estarmos mais fortes, somos seres humamos. Niguem é feliz o tempo todo, temos que nos permitir sentir algumas tristezinhas.... faz parte. Só nao podemos deixa-las parecer maior do que são, e ai está a diferença, o novo olhar que temos diante das situações.
    Um abraço grande pra ti... para o grupo.. sinto muita saudades de voces...

    Vivi

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